Os deuses nunca dormem

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Aquilo foi uma loucura. Eu nunca tinha ouvido falar de Salkantay. Passaria uma semana às escuras entre trilhas íngremes da selva peruana, às margens dos Andes, caminhando em desfiladeiros perigosos até vislumbrar a morada dos deuses Incas. Mas, este sempre foi meu estilo de viajar. Um bom sagitariano gosta de desvendar os lugares por onde passa e eu queria sentir o efeito da jornada em si: respirar, ainda que a mais de quatro mil metros de altitude, registrar mentalmente a aura do local e absorver a espiritualidade dos deuses e suas lendas, até chegar às ruínas sagradas de Machu Picchu.

O destino da minha viagem, como o de muitos turistas naquele junho de 2017, era justamente conhecer as famosas montanhas de Macchu Picchu. Só não queria chegar lá de trem e de ônibus como faz a maioria dos turistas. Eu buscava, além da viagem, aventura, autoconhecimento e paz de espírito. E fazer a trilha de Salkantay não é um pacote turístico que se compra como se fosse visitar a Torre Eiffel em Paris ou o Big Ben em Londres. A trilha tem menos de 100 quilômetros entre florestas, penhascos e vários trechos pelos Andes.

Muitos amigos e familiares ficaram incrédulos quando eu disse que havia comprado o pacote de viagem para conhecer Macchu Picchu, o qual levaria cinco dias e quatro noites, percorridos em uma trilha complexa e perigosa. “Insanidade”, alguns me alertaram. Minha filha pediu para mantê-la informada via WhatsApp, como se lá no meio do nada, a um palmo do céu, haveria sinal para celular. Mas a “loucura” fazia parte de uma crença por autoconhecimento que eu havia consolidado há dez anos, quando fiz, durante 30 dias, a peregrinação de Santiago de Compostela, na Espanha.

Meu objetivo era chegar perto dos deuses na cidade perdida dos Incas de uma forma peculiar e mergulhar, aos poucos, nas montanhas e seu entorno, eternizadas pelo grande Pachacuti (transformador da terra na língua quéchua), o grande imperador Inca. Machu Picchu significa “velha montanha”, é uma cidade pré-colombiana bem conservada, localizada no topo de uma montanha, a 2400 metros de altitude, no vale do rio Urubamba, e bem próximo da cidade de Águas Calientes. Foi construída no século XV, sob as ordens de Pachacuti. O lugar foi elevado à categoria de Patrimônio mundial da UNESCO, tendo sido alvo de preocupações devido à interação com o turismo por ser um dos pontos históricos mais visitados do Peru.

Viajei a Machu Picchu por conta da veia desbravadora, com enorme curiosidade da riqueza cultural de uma civilização antiga com um toque de aventura sem precedentes. Fui um de doze membros de um grupo cosmopolita, organizado por uma agência turística de Cusco. Eu era o único brasileiro da turma e o mais velho, com uma discrepante diferença de idades: eu estava com 56 anos e, diga-se de passagem, fora de forma; os dois garotos mais novos, tinham 17 e eram da Bélgica; outros dois, de uns 22 anos, eram da Eslovênia; um asiático quarentão que morava nos Estados Unidos; um casal jovem e duas amigas estavam na faixa dos 28, eram da Inglaterra e um simpático casal da cidade de Cape Town, da África do Sul, em provável lua de mel, aparentava uns 25 anos.

Embora tenham agências de turismo especializadas em Macchu Picchu, inclusive brasileiras, eu preferi comprar as passagens e reservar hotéis por conta própria. Apenas tive que contratar essa agência de Cusco por conta da trilha de Salkantay, a qual exige acompanhamento guiado. Como sempre, fui organizado e metódico, resolvi, ainda no Brasil, tomar a vacina contra a febre amarela (na época não era obrigatória, porém, depois do grande surto no Brasil, passou a ser exigida).

Não bastasse a trilha, acabei comprando um ingresso para visitar uma das duas montanhas que ficam dentro das ruínas: aquela foto famosa que todo turista tira, feito um troféu, se chama Wainapicchu. E para acessá-la é preciso comprar ingresso antecipado pela internet. Como não tive tempo hábil para tal, fui na contramão do turismo, como já era esperado. Então, comprei ingresso para outra, que leva o nome de Macchu Picchu, é menos divulgada e fica bem atrás das ruínas, sem visão a partir da cidade. Fechados todos os pacotes, era hora de começar a me organizar e viajar (digitalmente) pelas possibilidades da insólita trilha medieval dos Andes, usada pelos conquistadores Incas, as quais, mesmo no verão, continuam revestidas em seu topo de um manto branco.

“Trilha Salkantay é um nevado que está aproximadamente 6.271 metros acima do nível do mar. Ao seu redor, se vê o nevado de Umantay e outros. A Trilha por Salkantay tem uma duração de 5 dias e 4 noites, onde você desfrutará de paisagens espetaculares e viverá muitas experiências emocionantes.

Há muitas trilhas que levam a Machu Picchu, mas a Trilha Salkantay é uma rota fascinante. Temperaturas variando de -5ºC a 26 ºC; altitudes suportáveis de 1.800 metros acima do nível do mar atingindo até 4.650 m.a.n.m; montes nevados e matas fechadas; terras áridas, pedregosas; e muitos vales férteis com rios e cachoeiras. Com 55 km, a Trilha Salkantay na imponente cordilheira, dá ao viajante uma noção da riqueza de ecossistema encontrado no Peru.

Aconselhamos os viajantes que vão fazer a Trilha Salkantay, dois dias de aclimatação em Cusco – a Cidade Imperial dos Incas que está a 3.400 metros acima do nível do mar.

A Trilha Salkantay é uma excelente alternativa para quem quer fugir das reservas da Trilha Inca e ter uma linda experiência visual.”

Bem, esse é meu tipo de viagem e coincidiu com um momento de muita reflexão na minha vida. Tanto quanto a viagem que fiz ao norte da Espanha, em 2007, quando trilhei 800 km por florestas, campos e vilarejos. Quanto ao grupo em que estava, era perfeito para as minhas condições, principalmente se precisasse de ajuda física. A diferença de idade e cultura também ajudou a entender outras coisas na jornada insólita de Macchu Picchu. Estilo de vida e de viagens foram os assuntos mais comentados durante a caminhada e o sistema de acampamento organizado em duplas foi maravilhoso para troca de ideias e experiências universais. Os dois guias peruanos, Juan e Luis eram bastante simpáticos, solícitos e competentes.

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Para chegar a Macchu Picchu eu deveria passar pela cidade de Lima, a capital do Peru e depois pegar um voo para Cusco, o QG da maioria que aproveita para fazer passeios aos arredores para acostumar com a altitude antes de subir às ruínas. Como eu moro no sul do Brasil, reservei um tempinho na saída da minha viagem e parei em São Paulo para visitar minha filha e genro, na ânsia de acalmá-los sobre a grande expectativa e possíveis “perigos” da eminente aventura. Só não contava que levaria um grande susto antes mesmo de sair do Brasil. Sempre fui bastante cuidadoso nas minhas coisas pessoais, mas acabei por relaxar com o propósito “zen” da viagem. Afinal, eu tinha um encontro com os deuses Incas. Nesse ritmo sereno a tranquilidade foi contrastada com meu senso de planejamento quando me dei conta, às vésperas de embarcar para o Peru, que estava com o passaporte vencido e a carteira de identidade com 35 anos de uso. A surpresa não me abalou. Decidi seguir viagem.

Mesmo com a orientação da Polícia Federal brasileira para desistir, eu segui meus instintos e desembarquei em Lima quase meia noite do dia 10 de junho, em um sábado. Minha sinceridade em mostrar o passaporte vencido e fazer cara de pastel, com minha inútil documentação, talvez tenha sensibilizado os policiais da alfândega peruana que me desejaram boa caminhada até Macchu Picchu.

Aproveitei a parada em Lima, de quase dois dias, para conhecer um pouco da capital, tendo o domingo inteiro e a manhã de segunda-feira para uma rápida visita em alguns pontos turísticos. Sempre fora das convenções, minha estadia em Lima, foi através da plataforma Air BnB. Foi uma grata surpresa a experiência. Fiquei instalado em um aconchegante apartamento com vista cinematográfica para o Pacífico, me sentindo um personagem dos livros de Mario Vargas Llosa, no belíssimo bairro de Miraflores.

Embora sob um constante céu cinzento por conta da poluição, Lima é fabulosa e seu povo muito acolhedor; a simplicidade, a educação e a disponibilidade em ajudar me deixou boquiaberto. Fiquei deslumbrado com a tranquilidade em circular, tanto pelos pontos turísticos da capital, quanto pela exuberante orla com suas largas calçadas e parques magníficos que ligam vários bairros. Também me chamou atenção a quantidade de cassinos no centro. Não quis arriscar nem um Soles na jogatina, pois uma boa caminhada sempre me pareceu mais proveitosa. Sem pressa, conheci o Centro Histórico pela Praça das Armas, Huaca Pucllana: ruínas de uma civilização pré-Inca em pleno bairro de Miraflores. Também conheci o bairro Barranco que é o point noturno de Lima. Na volta de Cusco, teria mais dois dias para finalizar o passeio pela capital. O famoso ceviche e o Pisco eu deixei para outra ocasião. Preferi tomar uma cerveja durante o dia e à noite um bom vinho com massa.

Lima tem cerca de 12 milhões de habitantes e é a terceira maior cidade da América Latina, ficando atrás da Cidade do México e São Paulo. Ali na capital peruana fica a Universidade mais antiga do continente, a Universidade Nacional de São Marcos, fundada em 1551. Outro ponto interessante foi descobrir que eles também produzem cacau, menos que o Brasil: no ranking global, somente Gana e a Costa do Marfim produzem 57% do cacau mundial, seguido pela Indonésia com 12,5%. O Brasil produz quase 5% e o Peru, 1,5%.

Na segunda-feira, 12 de junho, às 13h00 embarquei rumo a Cusco para a grande jornada. O voo durou menos de uma hora e lá estava um motorista da agência de turismo, me esperando com uma placa de papel sulfite e meu nome em negrito: sempre sonhei em passar por essa situação de mordomia, que na hora tive um efêmero espasmo de orgulho, contrariando a simplicidade que buscava nesse tipo de aventura.

 A cidade de Cusco está situada a 3400 metros acima do nível do mar e como capital da Província tem cerca de um milhão de habitantes. De Cusco é possível conhecer muitos lugares interessantes aos arredores, como os sítios arqueológicos, pequenas cidades e vilarejos que se mantêm arraigados à cultura Inca. Além de amenizar a ansiedade com rápidos passeios pelas redondezas, recomendam-se pelo menos dois dias em Cusco para se acostumar com a altitude, além de tomar muito chá de coca, disponível em todos os hotéis e restaurantes. O mal da altitude, como eles falam, pode causar diferentes efeitos em nosso organismo: uns têm dor de cabeça, outros, náuseas, outros ficam lentos para caminhar e assim por diante. No meu caso, não tive nenhum tipo de reação, pelo menos nos dois primeiros dias. 

Depois de perambular por todo o centro histórico de Cusco, tirar muitas fotos, aproveitei para assistir a grande festa que estava acontecendo em plena Plaza das Armas. A Festa do Inti Raymi: o novo ano do sol. Cusco, na língua Qhéchua, significa umbigo do mundo. Para eles, a cidade nasceu no alvorecer da civilização humana e foi predestinada por eventos superiores.

Em 2017, Cusco estava comemorando 50 anos da municipalização do Desfile Cívico, durante o mês de junho. Nesse ano, os peruanos de Cusco: cusqueños também reivindicaram durante os festejos, o uso do poncho e chulo como símbolo de identidade local. O centro era palco de um grande Carnaval Inca, com muita música, comida, dança e claro, o Pisco. Como os festejos só terminariam no dia 24, muitos grupos acampavam ali mesmo na praça.

No dia seguinte, entrei numa van da agência e com um grupo de brasileiros, fomos visitar o Valle Sagrado: o Mercado de Corao, as cidades de Pisac, Ollantaytambo e Chinchero. Impressionante, já no cartão de visitas, as ruínas no Vale, dá uma dimensão da tecnologia da época, arquitetura e potencial agrícola. Em Pisac, por exemplo, o conhecimento da arquitetura possibilitou a construção de uma verdadeira fazenda real: uma imensa escadaria agrícola, com aquedutos para garantir a irrigação e amplos espaços domésticos e religiosos de propriedade do grande Pachacute. Almoçamos em Urubamba, o qual foi um dos principais centros agrícolas do império Inca. Agora, dizem os nativos que ali se consegue o melhor milho do mundo e em épocas de chuvas, se produz deliciosas frutas: pêssego, pitanga e marmelo. À tarde, fomos até Ollantaytambo, que se constituiu em um estratégico centro militar, agrícola e religioso para administrar e controlar o Valle Sagrado dos Incas. Essa dedução se deu por conta dos vários depósitos agrícolas e pelas muralhas e torres de vigilância. Na volta passamos por Chinchero, conhecida pela cidade do arco-íris, seguindo direto para Cusco já que passava das 18h e precisávamos de uma boa refeição no jantar e uma noite de sono tranquila para poder encarar, no dia seguinte, a jornada de cinco dias por Salkantay.

 14 de junho: enfim, o grande e esperado dia, chegara. Às 4h, conforme o combinado, o guia já estava em meu hotel e eu, ansioso, pronto e de café tomado. Fui um dos últimos a embarcar na van de 16 lugares. Lá estava o grupo, com cara de sono e poucos amigos, naquela madrugada fria de junho, que mal deu bom dia. Logo após uma hora de viagem, paramos em Mollepata para reforçar o café e comprar mantimentos antes de iniciar a trilha. A van seguiu até o lugar marcado (Challacancha) para encontrar a equipe responsável por levar nossas mochilas e equipamentos de camping com ajuda de seis animais. Ufa! Pelo menos não precisaria carregar peso, apenas uma pequena mochila com minha máquina fotográfica, água, barrinhas de cereais e algumas frutas.

Logo no início de nossa jornada, o visual do lugar já me absorveu pela beleza e amplitude, como também despertou até mesmo aqueles que estavam sonolentos por conta do início matutino. A adrenalina começava a subir, porém, percebia que minha condição física estava deficiente. Mas o espírito falava mais alto por conta da energia do lugar. Seguimos caminhando por uma trilha de pedra junto a um velho canal de água que ainda abastecia os habitantes da região. A trilha seguia por um vale rodeado de montanhas cobertas de neve. Em pouco tempo avistamos a grande Humantay, enquanto seguíamos em fila indiana por entre o verde de pastos e campos. Eu, lá no fim da fila caminhava tranquilo, absorto em meus pensamentos e me sentia seguro: um guia ia à frente e outro dava retaguarda ao grupo. Porém, ainda no início, a contemplação era interrompida pelo alegre finlandês, que tagarelava muito, como se estivesse engolido um alto-falante. Mas me rendi à sua simpatia, por isso fizemos amizade e seguíamos por um bom tempo trocando muitas ideias e informações. De tempos em tempos, eu me isolava, pois estava ali para uma profunda introspecção existencial, na esperança de vivenciar experiências insólitas. No primeiro dia, era prevista uma jornada de seis horas, com paradas estratégicas para descanso e reidratação, além de outras paradas para breves explicações do guia sobre alguma localidade pertinente e sobre a cultura Inca. Era visível o orgulho e a satisfação com que o guia relatava passagens das conquistas Incas, que isso me contagiava, além de me ater à riqueza de detalhes, enaltecido por conta do brilho nos olhos.

As paisagens eram indescritíveis, pois, para qualquer lado que olhássemos, a cada quilômetro percorrido, tudo parecia mágico, deslumbrante e magnífico. Dava para imaginar a dificuldade de logística para chegar ao topo das montanhas e o domínio de algumas tecnologias Incas para manter um vasto império num lugar ermo e numa altitude quase inatingível para a época.

O nosso primeiro acampamento foi em Soraypampa, a 3.850 metros do nível do mar, como se fosse uma grande janela com visão cinematográfica, de tirar o fôlego, para a grande montanha de Salkantay, imponente desde o vale. Deixamos as mochilas nas respectivas barracas. Os 4.650 metros ficariam para o dia seguinte, porém, tivemos um insólito convite, depois de seis horas de caminhada, logo após o almoço e descanso, para um passeio (caminhada montanha acima). O lugar chama-se Lagoa Humantay, distante uns três quilômetros do acampamento, o qual, diga-se de passagem, foi o melhor de todos, com tenda ao estilo Iglu equipada com dois colchonetes, tomadas e um teto transparente. Claro, o passeio (caminhada) era livre, porém, diante das fotos previamente mostradas e da propaganda, o grupo foi unânime em seguir o guia.

Foi logo na primeira subida que o grupo experimentou a famosa folha de coca para mascar e manter entre as bochechas até sentir um certo alívio. Confesso que para mim, não fez efeito, pois estava sem me alimentar direito e mal tomara uma sopa no almoço. Levamos mais de duas horas para subir os três quilômetros, mas o lago e a vista compensaram imensamente. Foi um passeio em que ficamos por quase duas horas contemplando a natureza em sua essência e magnitude, como se fosse um lago paradisíaco escondido nas montanhas geladas.

A noite chegou e o frio de -4ºC quase nos congelou nas barracas. Logo pela manhã, meus lábios começaram a rachar, meu estômago reclamar e minha cabeça não obedecia meus pensamentos. O guia sugeriu que eu subisse os primeiros oito quilômetros em cima de uma mula, não contestei depois de ver que havia mais umas seis pessoas na mesma condição. Meu grupo seguiu na caminhada, então ficamos mais de uma hora para esperar os guias encilharem os animais. Na verdade, foi muito mais perigoso subir na carona das mulas, pois o caminho era muito estreito e um desfiladeiro que sumia da vista. Somente quando chegamos ao topo, descobrimos que em outro grupo, um rapaz se acidentara caindo com mula e equipamentos. Ninguém falou se ele sobreviveu ou não. Lembrei-me do início em Santiago da Compostela na Espanha quando soube que um inglês havia morrido, por se perder nas montanhas dos Pireneus, logo na largada da peregrinação. Seria sina, sempre um acidente ou um aviso dos deuses a cada início de jornada?

Na metade de nosso segundo dia, ganhamos o topo de Salkantay: é considerada a segunda mais alta da região de Cusco e os Incas a chamavam de APU, em referência aos deuses. Bem, não exatamente o topo, pois toda ela tem mais de 6.000 metros de altitude e nós chegamos ali há 4.650, o que já era uma boa jornada. Depois de quase uma hora de descanso, parada para fotos, contemplações e troca de experiências da subida, iniciamos a descida. Fomos avisados de que seria tão difícil quanto a subida. Para mim, foi ainda pior, pois já sentia que em pouco tempo iria sucumbir de alguma forma. Muitas pedras, caminhos estreitos e sinuosos. Mesmo em grupo, a solidão começava a tomar conta de cada um, até mesmo as duplas. Eram os momentos da expiação interna. Mais uma vez estava num grande desafio. E não apenas físico, mas espiritual e comportamental. Dali em diante, comecei a sentir uma aura diferente. O céu, as nuvens, as montanhas, os caminhos, as pessoas, a água a ser tomada, enfim, cada coisa e cada detalhe, entravam em mim, como uma promessa de novos tempos. Percebia e sentia que meu coração estava em paz. Meus olhos navegavam pelo infinito do horizonte e tudo me parecia perto e claro. Límpido e solene. Via-me em minha casa. Via-me com a família e sempre feliz. Começava a ouvir vozes como se o vento soprasse a sonata da esperança. Uma coragem me enchia o peito, embora o cansaço fosse cada vez mais intenso e as pernas quase bambas. A partir daquela descida, até mesmo os guias mergulhavam num silêncio profundo que foi preciso fazer paradas estratégicas, não só por conta de tomar uma água e fazer um lanche, como também para retomar conversas e esboçar sorrisos de satisfação.

Não lembro que horas aconteceu, mas o guia sempre falava que faltava pouco para chegar ao acampamento do almoço. Meus lábios estavam cada vez mais rachados e eu não tinha comprado manteiga de cacau, nem filtro solar. Numa das paradas para descanso, comecei a me sentir com náuseas, mas como não comia direito, não vinha aquela vontade de vomitar. Isso foi acontecendo e na terceira parada, o guia principal, me ofereceu um líquido para cheirar, dizendo que seria bom para me animar: em cinco segundos, tive que me afastar do grupo e no meio do mato, botei para fora tudo o que me incomodava. Literalmente, meus demônios começaram a sair em forma de um líquido amarelado. Poucos minutos depois, a jornada seguiu e eu fui atrás me limpando e sentido aquele gosto amargo na boca, como se tivesse tido uma ressaca de fim de ano. Finalmente, quase uma e meia da tarde, paramos em um acampamento para almoçar, menos eu, que estava sem fome e fiquei no meio das mochilas e equipamentos tirando uma soneca para recuperar-me da fraqueza.

 No meio da tarde seguimos montanha abaixo. Porém, não demorou muito para eu diminuir os passos, mesmo em descida constante. Os dois guias me acompanharam, e os jovens da Bélgica também se compadeceram com minha lentidão. Num dado momento, pedi para sentar na beira do caminho: foi o tempo de parar e o mundo desabou. A escuridão foi um fiapo de paz e alívio, a qual por uns três minutos apaguei completamente. Desmaiei em um canto e acordei em outro, dez passos à frente, em um resquício de grama à beira de um precipício. Fiquei sem forças, sem ânimo e com muita vergonha, além de certo arrependimento. Por sorte, tanto os guias, quanto os dois jovens, me deram força e coragem, pontuando a minha idade e minha aparência, deixando claro que eu tinha um diferencial de resistência e que esses episódios eram normais; acontecia com muitas pessoas, até mesmo em boa forma física. Tive uma queda de pressão, pois o mal da altitude me pegou pelo estômago, me deixando sem apetite. Mais uma vez, fui transportado na carona de uma mula. Era quase cinco da tarde quando chegamos ao acampamento, onde os outros nove já estavam tranquilos em suas barracas. De novo fiquei sem comer nada, pois só queria ir para a barraca e dormir. À noite me ofereceram uma sopa rala com ovo frito que foi um manjar dos deuses. Enfim, mais tranquilo numa noite de céu estrelado, me retirei em um canto silencioso para fazer um balanço da minha ousadia e irresponsabilidade. Culpei-me severamente por correr perigo desnecessário na busca de algum limite que nem eu mesmo fazia ideia.

Com uma boa e longa noite de sono, me reconciliei no dia seguinte com meu estômago e acordei novo em folha. Voltei à minha tradicional fome matutina, ao comer três pães no café, frutas, sucos e bolo. A trilha tinha como destino a região de Challway, Collpapampa, la playa e Wiñaypoco. O caminho passava por uma espécie de floresta tropical da Amazônia, com uns 10 km de caminhada pela vasta e espessa mata, de lugares pitorescos e coloridos, com animais selvagens, plantas e orquídeas endêmicas da região.

O grupo demonstrou preocupação e apreço pela minha condição e alguns ajudaram a me medicar na noite anterior. Senti-me bem cuidado no meio de uma juventude estranha, cosmopolita e acolhedora, tanto quanto se fosse por um ente querido.

Mais um dia a seguir. A caminhada foi tranquila, porém, os trechos de subidas, embora esporádicos, pareciam uma eternidade por conta da minha condição. Nosso próximo acampamento seria em La Playa. Além das plantas, pudemos apreciar plantações de café, cacau e frutas. Também conhecemos, rapidamente, algumas famílias locais de Wiñaypoco com tamanha simplicidade em tímidos sorrisos.

Caminhar em grupo é bem diferente da experiência que tive na Espanha, quando fiquei um mês sozinho peregrinando. A diferença nessa trilha de Salkantay, vai além da altitude. Quase não tem ponto de apoio ou vilarejos, tanto quanto existe no caminho de Santiago da Compostela, que vai margeando as cidades e pequenos povoados com albergues, e muitos lugares para comer. Ali, exceto algumas trilhas que contam com algum tipo de pousada, o trajeto é praticamente um deserto só, embora sem areia. Para mim, estava perfeito, pois meu objetivo era a introspecção, ainda que com o grupo, fiz meu social na medida do necessário e possível. Durante a caminhada, sempre parávamos para descansar, checar se todos estavam bem e no ritmo, exceto eu que seguia no fim da fila com um dos guias me dando cobertura e apoio moral.

O quarto dia, parecia ser basicamente de descida, porém sempre surgiam trechos sinuosos, abismos e pequenas subidas. Fomos até a famosa hidrelétrica, onde pegaríamos um trem até Águas Calientes. Ali os dois jovens da Finlândia se despediram: eles fariam a trilha em quatro dias por conta do retorno no domingo. E o quinto dia, estava reservado para o grupo subir até as ruínas de Macchu Picchu, porém, naquelas alturas, não seria o meu caso. Depois, no quarto dia, ao pegar um trecho de trem a partir da hidrelétrica, não tive dúvidas, ao chegar no hotel em nossa última parada. Decidi por comprar passagem de micro-ônibus para subir a última etapa até a cidade perdida e me poupar para a caminhada nas ruínas, além do último desafio de subir a imponente montanha de Macchu Picchu.

Águas Calientes tem muitas fontes termais para quem quer relaxar. Como chegamos ao fim da tarde, pude fazer meu check in no hotel, tomar um bom banho e descansar. Fui o único a ficar em outra localização, apenas iria me reunir com o grupo novamente na manhã seguinte lá dentro das ruínas para um passeio guiado. A cidade está a seis quilômetros de Macchu Picchu, o que leva uma hora e meia de caminhada para quem se aventura a subir ou meia hora de micro-ônibus. É o acesso mais próximo da cidade perdida. Não se tem muito o que fazer no pequeno povoado, além de caminhar, comer, comprar souvenir e tomar banho termal. Meio dia é suficiente para conhecer o lugar. Fiquei por duas noites para poder desfrutar o final da minha jornada, apreciando a grande movimentação e a magia local.

Às 4h já estava no ponto de ônibus para me encontrar com o guia. O restante do grupo subiria caminhando os seis quilômetros para completar o quinto e último dia da jornada. Mas, para mim, aquela subida seria impossível. Não me frustrei, pois eu atingira meu limite físico e ainda precisava de energia para caminhar dentro da cidade perdida, o que demanda certo esforço. E no meu caso ainda teria mais uma subida de 4.200 metros de altura, embora eu não soubesse disso, já estava convicto das minhas limitações. Às vezes, na vida, é preciso recuar para depois dar um passo adiante e seguir em frente com segurança. De qualquer modo, estava orgulhoso da minha façanha, afinal, eu percorri mais de 80% da trilha.

 Depois de uma hora e meia na fila, conseguimos pegar o primeiro micro-ônibus e às 6h estávamos na frente do portão que dá acesso às ruínas. Mesmo sendo os primeiros a entrar, tivemos que esperar os outros chegarem e reunir o grupo para o gran finale. Enquanto isso, no estreito corredor, vultos de turistas afoitos passavam feito um formigueiro.

Com o grupo reunido o guia seguiu em frente. Quando avistamos as ruínas nos primeiros corredores, fui abduzido pelos deuses ou coisa parecida. Simplesmente fiquei em estado de transe com tamanha beleza, magnitude e energia esparramada no ar. Não consegui prestar atenção ao que o guia falava. Fiquei no automático seguindo o grupo com meu corpo lento, enquanto os olhos, a cabeça e meu coração navegava pelo local sem cerimônia. Fiquei abestalhado, incrédulo com a engenharia, localização e a simetria das pedras ocupando os devidos espaços. Dava para ouvir o som daquele silêncio imenso que atravessou séculos no anonimato: um mundo à parte, um isolamento não por egoísmo, mas pelo senso de preservação de um povo e de sua cultura. Enquanto o guia passava de um aposento para outro, dando significativas informações, eu o ouvia, como se fosse uma música de fundo. Em alguns momentos eu me dava conta e fazia os devidos registros fotográficos. Vimos o nascer do sol como um segredo que jamais é revelado. A conexão com o local depende de como você se prepara para receber tal beleza. Para uns pode ser apenas uma linda paisagem perdida entre montanhas. Para mim foi uma experiência única de profundeza espiritual. Eu deixei toda aquela aura entrar, abri minha alma e respirei, mesmo no ar rarefeito, o bálsamo de uma grande civilização, seus mistérios e lendas. Ao mesmo tempo, atirei às pedras, nos caminhos e nas montanhas, todo e qualquer resquício de angústia, medo e sentimento de culpa, buscando a serenidade dos justos como se estivesse conversando com um velho sábio na paz dos tempos.

O passeio guiado durou cerca de duas horas. Consegui captar informações relevantes sobre a cultura Inca: a primeira coisa impressionante é a construção da cidade, toda de pedra e sem argamassa. Detalhes técnicos e precisos que foram feitos até mesmo na angulação de algumas paredes, nas janelas e portas. Eles construíram até mesmo uma bússola no chão que era direcionada pelo sol (o guia brincou no sentido de provar que a técnica funcionava, pedindo para alguém colocar ali do lado um celular para comparar os pontos cardeais. Deu certo).

Foi incrível e chocante ver e saber que um povo da era medieval pudesse usar de tecnologias rudimentares para sobrevivência, segurança e produção agrícola. O templo do sol foi um lugar à parte, pois a religiosidade deles e seus rituais era tamanha que, a construção nessas montanhas significava ficarem mais próximos dos deuses. E o sistema de captação e escoamento de água, fantasticamente construído para abastecer a cidade e ser usado na agricultura com canaletas de pedras em corredores submersos. Um centro de rituais com uma acústica que, na época, se podia ouvir o grande Pachacute discursar para toda a cidade.

Quando os Incas perceberam que seriam dominados pelos espanhóis, como já estava acontecendo em diversas partes do país e da América, foram se refugiar ali para preservar sua história e graças aos deuses, os invasores jamais descobriram Macchu Picchu. A cidade perdida só foi descoberta em 1911 pelo arqueólogo inglês Hiram Bingham. Dizem os guias que, infelizmente, muita coisa foi perdida, mesmo com a descoberta, pois na época o britânico acabou por botar fogo no local, por conta da grande mata e vegetação que não dava para ver nada, para fazer sua pesquisa. Com isso, muitas coisas se perderam (peças de artesanato de barro, documentos em papiros, etc.) nas cinzas da montanha com seu próprio povo. Macchu Picchu é, provavelmente, o símbolo mais típico do Império Inca, quer devido a sua original localização e características geológicas, quer devido à sua descoberta tardia. Apenas cerca de 30% da cidade é de construção original, o restante foi reconstruído. No meio das montanhas, os templos, casas e cemitérios estão distribuídos de maneira organizada, abrindo ruas e aproveitando o espaço com escadarias.

Após o guia dar por finalizada a pequena excursão pelas ruínas de Macchu Picchu e avisar que era possível sair para usar os banheiros externos e depois entrar com o mesmo ingresso, nos despedimos e cada um continuou a visitação à sua maneira. Eu era o único que ainda tinha mais um compromisso com hora marcada. Minha última aventura era totalmente desconhecida, pois se soubesse das dificuldades, eu não a teria feito naquelas condições de fragilidade física.

 No meu pacote da trilha de Salkantay estava incluso, além do passeio pelo Valle Sagrado, a entrada na montanha que leva o nome de Macchu Picchu e tem 4.200 metros de altura. Ela fica atrás das ruínas, num acesso escondido até a entrada, sempre subindo e não faz parte do cartão postal.  Quase ninguém fala, nem tão pouco adverte sobre a subida dessa montanha. Porém, para quem chega às ruínas e ainda tem fôlego é uma experiência única para fechar com chave de ouro, desde que em boas condições físicas. Não era o meu caso, que além do sobrepeso, estava, no último dia sofrendo, agora, do mal da altitude por conta da respiração comprometida, mesmo sendo bem alimentado. Mas, já tinha o ingresso e como o guia não fez qualquer tipo de comentário, imaginei que seria apenas mais alguma caminhada por terra e pedriscos. Ledo engano.

Eram umas 10h quando finalmente achei a entrada em meio uma pequena mata atrás das ruínas. Logo na guarita de entrada o atendente, ao fazer a contagem, me pediu para esperar uma meia hora, pois só era permitido subir pouco mais de cem pessoas a cada ciclo de quatro horas.

Quando entrei, logo nos primeiros 50 metros, vi que a subida era feita de escadarias, com pedras irregulares, degraus estreitos, pedaços cobertos por mata ou árvores. Meu corpo se retesou e a intuição me soprava para uma possível desistência, ainda que fosse  em tempo. Por teimosia ou persistência continuei. A cada pessoa que encontrava na descida, perguntava se faltava muito. Elas respondiam com um sorriso cúmplice, que levaria mais uma meia hora… Para alguém que sofre de labirintite, esqueça! Subir a montanha de Macchu Picchu é uma árdua tarefa, principalmente sem condição física adequada. Para eu seguir subindo precisei ir parando a cada dez, vinte ou trinta metros pelas escadarias.

Fazer a mágica trilha de Salkantay é uma experiência singular e finalizar a jornada ali naquele topo do mundo, na enorme e imponente velha montanha é para poucos e eu não podia desistir. Fui seguindo em passos lentos, ora me arrastando, ora me agarrando em galhos e me apoiando nas pedras. Ora parava um bom tempo para recuperar um resquício de fôlego na alma, porque os pulmões só tinham o vácuo da minha existência. Já não tinha mais água, apenas umas barrinhas de cerais. Por outro lado, em vários pontos, à medida que se sobe, a visão panorâmica é tamanha que eu conseguia, pelo menos por uns instantes, esquecer das dificuldades. Só a contemplação do lugar já valeria por tudo, pois de qualquer forma, eu perdia a respiração só de olhar aquela imensidão de ruínas que ficava cada vez menor às minhas costas.

Levei quase duas horas para atingir o topo. Antes, como havia acontecido na trilha, eu tive uma queda de pressão e ali eu estava subindo sozinho: única coisa que achei estranho e fora dos padrões turísticos, dado o perigo da subida, principalmente se uma pessoa tiver algum problema mais grave de saúde. Não há monitores pelas escadarias, tampouco avisos, é um completo abandono das autoridades. Com minha pressão baixa, tive que sentar e me encostar em uma pedra confortável e depois deitar um pouco. Graças a Deus ou aos deuses Incas, duas jovens brasileiras foram meus anjos da guarda. Elas pararam para me atender e deixaram uma garrafa de água e um sanduíche, o que me deixou eternamente agradecido. Depois de uns 15 minutos ou mais, como faltava bem pouco, resolvi finalizar e foi como se tivesse numa corrida de bicicleta, dando um sprint para a faixa de chegada.

Uau!!! O topo da montanha é incrivelmente alto, lindo e de certa forma onipotente. Quando atingi o cume esqueci o cansaço, da falta de ar e fiquei ali extasiado, embriagado como quem se apaixona pela primeira vez. Lá estavam, minúsculas, as ruínas da cidade perdida. De lá do alto, a grandiosidade das ruínas se reduzia a pequenas silhuetas. A montanha de Wainapicchu, que faz a beleza dos cartões postais, se transformou numa unha entre o vale e as montanhas. Depois de alguns minutos de congratulação e euforia, tirei fotos com meu celular, pois a máquina já estava sem bateria. Sentei por alguns minutos para respirar e olhar num ângulo de 360 graus a imensidão do mundo e me pus a pensar e imaginar as maravilhas dos Incas.

Um povo que foi acuado em sua própria morada. Por sorte, os espanhóis nunca descobriram as ruínas de Macchu Picchu. Dificilmente vamos descobrir a engenharia dos Incas, assim como a dos Egípcios com suas Pirâmides, nem mesmo descobrir seus mistérios e encantos. O importante é saber que a fé, a crença em algo como uma referência, ainda que ilusório, faz a diferença em nossa vida e na sociedade. Se eles queriam estar próximos ao céu, chegaram perto. E os deuses, com certeza, abençoaram o local, tanto quanto protegeram por séculos. Eles têm essa tarefa através da observação espiritual para poder proteger e guiar nossa jornada. Basta buscá-los em algum lugar e nem precisa ser assim, tão longe, tão alto e tão difícil. Pode ser do nosso lado e principalmente dentro da gente, pois essa imensidão que existe em nosso ser, acredite, é infinita, gigante e tem uma força que só se descobre quando a necessita.

Ali, naquele domingo de junho, pude olhar para todos os lados, desde as ruínas de Macchu Picchu à trajetória da minha vida. Finalmente a contemplação. Alcancei a linha do horizonte, espreitando no mesmo nível, pois eu estava à altura de me reconhecer mais humano e mais visível para mim mesmo e para os outros. Não queria mais sair do lugar. Passar ali mais do que uma hora já é tempo suficiente, mas eu queria ficar, porém, tudo se tornou mais claro em minha mente. Eu fui, mais uma vez, mesmo fragilizado fisicamente, andei, caminhei por vários trechos e subi tão alto que me encontrei na minha própria profundeza humana. A magia que invadiu meu ser naquele dia foi uma bênção dos deuses. A aura do lugar é transformadora e de uma forma simples, sedutora e profunda. Foi como se alguém tocasse minha alma e uma luz massageasse um ego inexistente. No tic-tac do tempo e no pulsar das minhas veias, me senti revigorado, feliz e satisfeito com a minha realização. E antes de descer aquela imensidão de escadarias, parei e olhei mais uma vez, girei mais uma volta, bem devagar, então, respirei fundo a brisa do mundo e deixei a luz entrar, suave e macia, depois, ao me despedir fiz um único pedido no silêncio da minha paz. Então, em um reflexo de luz, em um piscar de olhos, tive certeza de que os deuses nunca dormem. 

EPÍLOGO

À tarde estava de volta em Águas Calientes e aproveitei para passear mais um pouco, comer e comprar meus souvenirs. Eu pegaria o trem na manhã de segunda-feira e ainda passaria mais um dia em Cusco para, na terça-feira, voltar por Lima e passear por mais dois dias. Foi uma viagem e tanto. Inesquecível.

Quando acordei no dia seguinte, estava suado e inerte na cama. Eu tive um sonho muito diferente de tudo que já havia sonhado. Foi um sonho espiritual com certeza. A coisa fora tão real que lembrei do filme “Minhas Vidas da Shirley Maclane”. Eu tinha sonhado ou vivenciado uma cena com meu pai, que tentava desesperadamente bater e agarrar os cabelos de uma mulher (ela não aparecia visível) e eu pedia para ele parar, mas sem sair do meu lugar. Fiquei incrédulo com a cena, pois ele nunca tivera qualquer rompante de violência. Ele continuava e eu insistia, sem apartar, apenas chamando sua atenção. Depois de um tempo, uma voz, nítida como o sol, me sussurrou que não era para eu me preocupar em cuidar da minha mãe. Eu precisava sim, cuidar do meu pai. Porém, meu saudoso pai, falecera num acidente de carro em agosto de 2001.

Quando voltei ao Brasil consegui decifrar o recado dos deuses…

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