Mudar para um condomínio fechado meses antes da pandemia foi um grande achado. A qualidade de vida aumentou em nosso cotidiano. Segurança também foi um item relevante, pois pudemos, a partir de então, caminhar todas as noites nas ruas internas após o jantar. Coisa que num apartamento no centro da cidade era complicado para não dizer inseguro. A relação de coisas boas que foram se somando em nossa rotina saltaram aos olhos e tanto eu quanto minha esposa, ficamos superanimados com o novo estilo de vida. Cheio de planos e projetos para a nova casa. O jardim foi uma delas.
Eu adoro ficar em casa pelo meu trabalho. Fiquei mais confortável e isso me ajudou na produção da escrita. Passei a escrever minha coluna semanal com uma desenvoltura original. Descanso em intervalos de duas em duas horas para tomar um sol e dar uma passeada, cumprimentar vizinhos, brincar com os pets e respirar tranquilo, ouvindo um jazz de Van Morrison.
O tempo passou, a pandemia se foi e a rotina continuou, porém, me dei conta dos barulhos dentro do condomínio. Confesso que aqui superam aqueles do centro, quando eu morava no quinto andar perto do Lago Municipal, região central da cidade. Eram carros a toda hora, buzinas, motos, conversas na calçada, caminhão do lixo, sirene de ambulância, bombeiros, polícia. À noite, quando deveria ser mais tranquilo, carros em alta velocidade, drogados na calçada, som e outras perturbações urbanas. Havia dias que não conseguia trabalhar, então descia para dar uma volta no lago - isso fazia um bem danado, mas só. Agora, aqui não, embora tenha o soprador de folhas que não escolhe dia para entrar na nossa rua. Vizinhos de muro que resolvem ligar o Karaokê ou tocar violão, sem contar os que cantam no chuveiro.
Nós não temos animais de estimação, nem mesmo um gato, mas os vizinhos, quase todos da rua têm. Às vezes, dia sim e outro também uma cadela que deve ter feito curso com o galo do sítio atrás do condomínio, começa a latir as quatro da madrugada. Isso dá eco bem na janela do nosso quarto. Bom, aí decido me levantar e venho no computador escrever, fazer algo produtivo, pra que dormir? Ah, ainda tem uma moradora que sai pra trabalhar e tranca o cachorro no banheiro ou no corredor do lado de casa e aí ele fica num uivo plangente, de pet solitário. Ainda tem as aves, Quero-Quero dentre tantas, que fazem ninho nos telhados. Enfim, durante o dia circulam prestadores de serviços para consertar uma coisa aqui outra ali. Outros, para instalar um equipamento solar, que é moda agora todo mundo fugir da conta de luz e diluir os custos da energia em alguns anos até quitar o investimento.
Aqui, tem tudo isso e mais, porém, por estar num lugar fechado, seguro, com pretensão de resort, eu continuo a produzir minha coluna semanal. Esses barulhos que vem de fora não me incomoda, pelo menos até então. Não atinge e não afeta a minha concentração. Estou sempre com uma música de fundo para relaxar, assim como estudantes e concurseiros ouvem para focar nas provas de Enem, ou em concursos públicos. Ainda há muita gente que sonha em ser funcionário público e estão certos, embora, tivemos há pouco um desgoverno que queria acabar com o funcionalismo só porque ele é avesso a educação, a cultura e essas coisas do conhecimento. Foi mais fácil espalhar Fake news de todas os motes e a maioria engolia feito verdade absoluta. Lembro-me que já fui funcionário público de uma companhia de energia elétrica e que está sendo privatizada agora em meu estado. Imagina, eles espalham várias mentiras na grande mídia e nas redes sociais dizendo que a empresa não dá lucro, que o serviço é péssimo e isso onera o ‘Estado’, pura balela. Se a empresa não tem lucro porque tem um monte de empresário louco para ser dono dela? Lembra da Eletrobrás? Pesquisa para ver nas mãos de quem ela foi parar. De qualquer forma para mim não deu certo trabalhar numa estatal. Sou uma espécie de ovelha desgarrada e um sagitariano, daqueles que detesta rotinas.
De volta a produção, nesse tempo aqui dentro do condomínio, consegui escrever um romance de ficção e outros textos além do trabalho semanal no jornal. Sempre leio nos artigos sobre literatura que muitos escritores e escritoras ainda travam na página em branco e isso é mais comum do que se imagina. Quanto estou aqui, como agora, e a vizinha continua faxinando a casa da frente com o aspirador ligado, parecendo um motor turbo de Porsche, não em abalo e sigo. Não me pergunte se se aprende a lidar com esses barulhos externos. Eu fui me adaptando, claro que eventualmente dá um rompante de irritação e aí o negócio é sair para caminhar.
Mas de todos os barulhos, tem um que incomoda. Esse é daqueles que vem de dentro. È um barulho que eu não consigo dissimular, nem diminuir e nem disfarçar. Fui 'agraciado' há quatro anos de um zumbido no ouvido esquerdo, que não há milagre a ser feito, nem mesmo se trocar uma ideia com o padre Fabio de Mello. Este, é o único que não me larga e incomoda diariamente. Fica pior na hora de dormir. Por sorte tenho o sono pesado e costumo sonhar muito. Tanto que continuo teimando a escrever e acreditar no mundo das palavras em meio todo tipo de som.