Livro disponível em ebook e físico
SINOPSE
Um filho de meia idade, idealista, se obriga a conviver com a mãe octogenária, ex-vedete, após ela sofrer um acidente doméstico. Cuidar da mãe demanda tempo e coragem para enfrentar os fantasmas do passado. Logo, ele descobre que a indiferença maternal se relaciona com o diagnóstico tardio de um Transtorno de Personalidade, mas não há tempo para acertos de contas. O tempo escorre e cobra decisões que ele precisa tomar em nome do amor e dignidade.
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O filho Gustavo se obriga a conviver com Helena, sua mãe octogenária, a partir do acidente doméstico em que ela fratura uma perna. Ele precisa coragem para lidar com o temperamento dramático e a vaidade exacerbada numa relação maternal cada vez mais complexa, além de enfrentar os fantasmas de infância. À medida que vai conhecendo a mãe, relembra conversas com a amiga de Helena que revelam, através de flashbacks, a vida conturbada da ex-vedete em aventuras amorosas nos anos 1950 entre São Paulo e Rio de Janeiro. Acostumado a olhar a mãe com certa distância, ele descobre que a indiferença maternal se relaciona com um diagnóstico tardio de Transtorno de Personalidade. Quando Helena demonstra queda vertiginosa da saúde mental e física em Cascavel, no Paraná a vida de ambos se torna insustentável. Gustavo conta com apoio da namorada na capital e depois de um ano nessa jornada ele precisa decidir se interna a mãe numa casa de repouso ou paga o preço da saúde mantendo a casa e as cuidadoras. Um dilema entre a promessa de amor em Curitiba e a invisibilidade filial.
TRECHO DO LIVRO:
Alguém me disse um dia que existem mulheres sem aptidão para serem mães. Só pude entender essas palavras há pouco tempo quando mamãe dormiu o sono eterno. É certo que nesse dia não tive outro tipo de sentimento do que alívio e a sensação de liberdade. Confesso, sem constrangimento, que o luto materno ficou longe do que vivenciei pelo meu pai. Este, ainda me atinge em lembranças e sonhos, com Helena não. Porém, estou juntando fragmentos da nossa insólita relação, relembrando os últimos três anos de convivência, depois de ela sofrer um acidente doméstico.
Tudo aconteceu tão rápido que vi a relação maternal se transformar feito uma avalanche varrendo meio século de ausência. Desde aquela noite as circunstâncias me obrigaram a encarar fantasmas escondidos no quintal da minha infância. Costumava dormir cedo. Era domingo, quase onze horas da noite, mergulhado num sonho qualquer quando o celular tocou. Precisava descansar para dirigir quinhentos quilômetros de manhã até a capital visitar a namorada. Deitado, relutei até rastejar a mão e agarrar o telefone. Estranho ver o nome de Marilu no visor, a inquilina de mamãe. Nunca telefonava, enviava mensagens dos relatos sobre Helena. Fim de semana era recorrente as lamúrias maternais e um bom motivo para deixar o telefone mudo. Nesse dia esqueci. Mamãe tinha o hábito de reclamar se o baile da terceira idade não fosse do agrado, xingava. Se fosse bom, reclamava da vizinha, da amiga que não a visitou ou me exigia um presente qualquer. Pensei ter esgotado minha dose de paciência.
Atendi, irritado.
— Alô!
— Gustavo, sua mãe caiu no banheiro, venha logo pelo amor de deus.
— Como assim?
Respondi de forma automática, sempre quis explicações. Desligou. Sentei-me na cama e tentei retornar, não atendeu. O celular de mamãe, menos ainda. Levantei e fui me arrumar. Conhecia bem essa história. Nunca esqueci os eventos de outrora que alegou ter caído. Foram cinco vezes e nunca deu em nada. Uma vez a vizinha atendeu, as outras, ela chamou o SAMU. No Posto de Saúde, era dispensada. Não passava de um mal-estar. Como sempre eu estava trabalhando e ficava sabendo horas depois.
Os desmaios que alegou ter, foram solucionados dois meses antes dessa noite, quando a levei para uma tomografia encefálica. A doutora Cristina justificou o pedido do exame pelo remédio que mamãe tomou a vida inteira. Os médicos da época imaginaram que ela era epilética. O exame mostrou os parasitas encapsulados em sua cabeça, como uma relíquia petrificada. A geriatra explicou que ela contraiu uma neurocisticercose. Infelizmente, os sintomas da epilepsia e da cisticercose são parecidos, mas o tratamento é distinto. Então, a médica receitou ansiolíticos e vitaminas para fortalecer os ossos. Helena tinha 81 anos e frequentava salões de dança ao menos uma vez na semana. A médica brincava e dizia: “Ela faz inveja a uma passista de sambódromo. Também pudera, uma ex-vedete não perde a atuação.” Mamãe adorava elogios.

Vivo entre livros, escrita e narrativas. Apaixonado por viagens, vinhos e uma conversa despretenciosa. Siga-me nas redes sociais.