Sou um sagitariano às avessas e até meu nome tem erro de grafia. O nome, que subentende ser a base para a construção da nossa identidade e para a busca de distinção neste mundo sem fronteiras, no meu caso, carregava um equívoco. Fui registrado em 5 de dezembro de 1960 como Mario Vicenti. Antes do meu nascimento, as regras para o registro de nomes não eram tão rigorosas. Não é à toa que observamos erros constantes, e por vezes gritantes, em registros de nomes. No meu caso, o equívoco foi mais simples, embora ainda haja controvérsia.
O registro civil no Brasil foi formalmente instituído em 25 de abril de 1874, começando pelos cartórios das capitais e, posteriormente, expandindo-se para o interior. Contudo, a regulamentação para o ofício só foi estabelecida em 31 de dezembro de 1973, com a Lei 6.015 de Registros Públicos e seus 299 artigos. Praticamente um século depois. Na esteira desses desencontros, o digníssimo oficial de registro, sem consultar as referências da minha família, esqueceu-se do sobrenome Vicente com “E” no final e inseriu um “I”. Como nasci à uma e meia da madrugada, meu pai devia estar com pressa e sono para me registrar, e por isso sequer percebeu o erro de grafia de seu segundo filho. Talvez essa tenha sido a razão.
A família Vicente nunca se deu conta do erro, e eu, menos ainda. Só percebi o erro quando comecei a viajar e precisei apresentar documentos na compra de passagens e nos embarques. Simpatizei com o sobrenome, até porque sempre fui considerado a ovelha desgarrada por ter saído de casa logo aos 13 anos. Assim, fui construindo minha identidade a partir do “Vicenti”, embora todos me chamem “Vicente”, e tudo bem. Gosto de pensar que fui eu, na família, quem conseguiu colocar os pingos nos “is”. No meu caso, são dois.
Talvez, uma pessoa desavisada, ou “doida de pedra”, poderia alegar que eu não pertenço à família Vicente; que se danem tais opiniões. De qualquer modo, como já fui supersticioso, decidi, um belo dia, fazer numerologia com a irmã do Gugu – menciono isso para facilitar a referência –, Aparecida Liberato, uma pessoa muito simpática e excelente profissional. Ela chegou à conclusão de que ambos os sobrenomes, com meu nome, resultavam em 6, e tudo estava certo. O interessante é que ela me auxiliou na criação de uma nova assinatura para ajustar o “peso” das finanças. E isso fazia todo o sentido, pois passei boa parte da minha vida gastando muito e economizando nada. O descaso, à época, com o dinheiro, ficou mais caro nos dias de hoje, especialmente na iminência da minha aposentadoria. Sem arrependimentos, mas agora sempre com cautela e levando em consideração os conselhos da Aparecida. Obrigado!
A maioria da família Vicente sempre esteve domiciliada em Blumenau, pelo menos é o que me recordo das festas de fim de ano na casa de meu avô paterno, na infância. Que maravilha! Assim como para meu pai, essa ligação com Blumenau sempre foi forte, mesmo morando em Cascavel, a 800 quilômetros de distância. Pelo menos uma vez por ano, era sagrado passar por lá e visitá-los. No início, precisávamos de semanas para ver a todos. Meu pai tinha 13 irmãos: três homens e dez mulheres. E, como em toda grande família, existem as afinidades. Quando meu avô era vivo, claro, os encontros se concentravam em sua casa, na Rua Estrela do bairro Ponte do Salto, um sobrado tipicamente no estilo enxaimel. Contudo, depois, ficava por conta de meia dúzia de tios e tias. Assim, segui os passos do meu pai e sempre voltei lá.
Um belo dia, uma das tias queridas (eram quatro), sabendo que adoro história e que escrevo romances, entre outras coisas, me deu uma segunda via da certidão de nascimento do meu avô. Isso já faz mais de uma década. Ela me incentivou a procurar as origens do nosso sobrenome que, para minha surpresa, não era “Vicente”, o sobrenome oficial do meu pai e do meu avô. Meu saudoso pai era quase um santo (pelo menos de nome): Santos Vicente; e meu avô, José Manuel Vicente. Até aí, tudo bem; normal. Eu sempre pensei que nosso sobrenome fosse de origem espanhola, até que um dia, quando fiz o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, fui a uma biblioteca em Madrid para pesquisar. A atendente me informou que, na Espanha, “Vicente” é um nome, não um sobrenome.
Quando comecei a ler e a verificar a certidão do meu avô, fiquei abismado com os nomes. Meu bisavô era Manoel Vicente Roldão, o que, para nomes mais compridos, começava a posicionar o sobrenome no meio – algo até interessante –, contudo, ele não figura como o principal. Então, seguindo a leitura, vi o avô do meu avô, que no caso seria meu tataravô, cujo nome estava grafado como Vicente Roldão dos Passos. “Ora, pois”, essencialmente português. O que era sobrenome virou nome. Ou, melhor, sempre fora um nome em Portugal ou na Espanha.
Vicente Roldão dos Passos. E agora, como fica meu sobrenome? Mas adorei o nome. Logo me imaginei: Mario Vicente Roldão dos Passos. Nenhuma das tias sabia explicar a origem; então, encarreguei-me de pesquisar, mas demorei, não é? Dez anos. Por outro lado, foi positivo, pois, em 2022, a Lei 14.382 permitiu aos cidadãos brasileiros mudarem o nome no registro civil sem precisar contratar advogado, apenas comparecendo diretamente a um cartório.
Agora, estou em dúvida se mantenho esse diferencial, com o “i” no final, ou se mudo completamente para adotar, na realidade, o que seria um novo sobrenome. Assim, eu teria que, de novo, consultar a Aparecida para fazer a numerologia, não é? Em consideração às tias catarinenses, pesquisei mais a fundo e encontrei, séculos atrás, referências em sites que recriam nossa árvore genealógica.
A partir do meu tataravô, a situação também se complica nos nomes e sobrenomes, pois Vicente Roldão dos Passos, nascido em 15 de agosto de 1830 em Torres, Rio Grande do Sul, era filho de Roldão Antônio dos Passos, que nasceu em 2 de abril de 1808 no Ribeirão da Ilha, Santa Catarina. Percebe-se que o “Vicente” desaparece e o nome passa a ser “Roldão”. Roldão era filho de Antônio Teixeira da Rosa, nascido em 18 de maio de 1786 em Palhoça, Santa Catarina. E aqui, também, “Roldão” e “Passos” somem. Ele era filho de João Francisco Ferreira, e foi aí que desisti. Afinal, numa dessas, os ancestrais da família Vicente poderiam ser, quem sabe, da linhagem de Napoleão Bonaparte ou D. João VI, Camões, Fernando Pessoa, Saramago, Flaubert, Hugo… Enfim, infinitas possibilidades que, com certeza, levariam a Adão e Eva. Mas não, encerrei a busca.
A conclusão é que continuarei como Mario Vicenti, com os pingos nos “is” e sem acento, mesmo para me manter em movimento, pois a vida é breve.

Vivo entre livros, escrita e narrativas. Apaixonado por viagens, vinhos e uma conversa despretenciosa. Siga-me nas redes sociais.